Testemunhas ouvidas no inquérito da Polícia Civil ignoram 'paca véa' apontada em laudo

O termo "paca véa" não foi citado por nenhuma das 16 testemunhas ouvidas no inquérito da Polícia Civil que apura suposto crime de injúria racial contra o vice-prefeito de Rio Preto, Fábio Marcondes (PL). Dez disseram que não ouviram os xingamentos de Marcondes ao segurança do Palmeiras e outros seis afirmaram que ele chamou o segurança de "macaco velho".
O termo "paca véa" aparece em laudo de perícia realizada pelo Instituto de Criminalística da Polícia Civil. O resultado da perícia de vídeo, com base em análise e transcrição fonética, foi anexado ao inquérito na última terça-feira, 6. Foi analisado vídeo registrado por uma equipe da TV Tem, em caso que teve repercussão nacional.
O advogado do Palmeiras e também do segurança, Euro Bento Maciel Filho, afirmou nesta quarta-feira, 7, que irá contratar uma perícia paralela para ser apresentada no inquérito. Ele questionou o resultado da perícia. “O laudo desafia a lógica”, afirmou.
A Polícia determinou que Marcondes seja notificado para prestar depoimento e pediu prorrogação do inquérito por 90 dias. O caso é acompanhado pela Justiça de Mirassol.
Depoimentos
Em 16 depoimentos que estão no inquérito que investiga o caso, há pessoas que afirmam que a expressão "macaco velho" foi dita pelo vice, enquanto outros depoimentos dizem não ter ouvido a afirmação. O inquérito está a cargo da Delegacia Seccional de Rio Preto. Em nenhum deles a expressão "paca véa" é mencionada.
Confusão
A confusão aconteceu após jogo entre Mirassol e Palmeiras, no dia 23 de fevereiro, pelo Campeonato Paulista. Além do segurança Adilson Antonio de Oliveira, outros dois seguranças do Palmeiras foram ouvidos no inquérito e afirmaram que Marcondes e o filho estavam em local por onde iria passar a equipe do Palmeiras e teriam sido orientados a sair.
O segurança afirma que não foi mal-educado e que, a partir de então, foi xingado, retrucou e ali já teria sido chamado de "macaco".
Em depoimento à polícia, o filho de Marcondes disse que o segurança o teria xingado e empurrado para sair do local, ao qual não tinha autorização para estar. O jovem afirmou não ter ouvido o termo "macaco". Já o empresário que acompanhava Marcondes e que foi ouvido na apuração afirmou que "em todo o momento ficou perto" e não ouviu o vice-prefeito dizer expressões como “macaco velho” e "lixo”.
RELAÇÃO
A relação de testemunhas incluiu desde pessoas que acompanhavam o vice até policiais militares que estavam no momento da discussão. Funcionários do clube indicados pela defesa do segurança também foram ouvidos ao longo da apuração.
O diretor estatutário do Palmeiras afirmou à polícia que teria ouvido Marcondes chamar o segurança de “macaco velho”. Chefe de segurança da equipe também afirmou que o termo foi utilizado. Nem entre os afirmam ter ouvido "macaco velho", nem aqueles que dizem que não ouviram a expressão racista citaram a expressão "paca véa".
Perícia
A perícia técnica foi determinada pelo delegado que conduz a apuração em março, e o relatório, de 42 páginas, foi anexado ao inquérito na terça, 6. A análise foi feita em cima do vídeo no qual Marcondes chama o segurança de "lixo" e, depois, de costas, o teria chamado de "macaco velho", conforme consta no depoimento tanto de Adilson quanto de outros funcionários do Palmeiras.
A perita Tatiana de Souza Machado afirma que "a análise espectrográfica não apontou traços fonéticos compatíveis com a palavra 'macaco'".
O documento menciona que o conteúdo "fonético identificado foi interpretado como “{Paca, véa!} Lixo! {Véa!}”, uma diferença significativa em relação à transcrição proposta".
A perita menciona que a adição de legendas na gravação "é caracterizada como edição de natureza editorial, comumente utilizada para fins de clareza, acessibilidade ou destaque de informações, e não configura adulteração do conteúdo audiovisual".
Contesta
O advogado do Palmeiras, Euro Bento Maciel Filho, afirmou que deve contratar uma perícia criminal especializada para ser anexada à apuração. Afirma que a expressão apontada no laudo "nunca foi dita". "O laudo desafia a lógica. A perita fugiu da realidade dos fatos e precisamos trazer a realidade de volta”, afirmou à reportagem.
Euro Filho encaminhou um vídeo à reportagem na qual fala sobre o resultado da perícia. "Foi com espanto e muita surpresa que a Sociedade Esportiva Palmeiras e o Adilson, o segurança ofendido naquele dia em que Palmeiras e Mirassol jogaram na cidade de Mirassol, receberam o teor do laudo pericial juntado nos autos do inquérito policial", afirmou.
"Por mais que se respeite a opinião externada pela perita que o subscreveu, não há como se concordar que, ao invés de ‘macaco velho’, que é o que se ouve, a perita tenha chegado à conclusão de que o autor teria dito apenas ‘paca véa’", afirmou. "Diante dessa inusitada conclusão do laudo, o Palmeiras irá, sim, adotar as medidas necessárias para fazer prevalecer a verdade. Para defender seu funcionário Adilson, porque, de fato, houve ali uma injúria racial e o Palmeiras não concorda com os termos do laudo."
Defesa
A defesa de Marcondes, por sua vez, divulgou nota na qual afirma que o laudo "reforça a correção da estratégia adotada pela defesa, ao não convalidar prova tecnicamente imprestável, e corrobora a tese de inocência de Fábio Ferreira Dias Marcondes", afirma o texto do advogado Edlênio Xavier Barreto.
"No mais, a fim de manter coerência na atuação, atentando-se à prudência e responsabilidade, a defesa informa que irá manifestar-se de maneira formal e detalhada nos autos do processo, em momento oportuno", complementa a nota.