Publicação de fotos de crianças por escolas acende debate sobre limites da cessão de imagem

Publicação de fotos de crianças por escolas acende debate sobre limites da cessão de imagem
Thais Machado não permite que a escola utilize a imagem da filha Laura (Guilherme Baffi 27/11/2024)

A exposição de fotos de crianças em redes sociais por escolas particulares, principalmente de ensino infantil, acende o debate sobre os limites de utilização da imagem de menores, especialmente quando a publicação, camuflada pela intenção de mostrar a rotina da escola, tem caráter publicitário. Pais relatam falta de clareza nos contratos e reclamam de postagens patrocinadas, com finalidade de captar novos clientes.

Ao assinar o contrato de prestação de serviço, muitos pais não se atentam ao significado de uma cláusula sobre "cessão de imagem", termo jurídico que significa autorizar o uso (na maioria das vezes gratuito) da imagem de uma pessoa por uma empresa, para fins de marketing e publicidade.

De acordo com a advogada Claudionora Elis Tobias, especialista em Lei Geral de Proteção de Dados, a legislação estabelece que, além do expresso consentimento dos responsáveis pela criança para registro de fotos e vídeos, os detentores desses dados têm a obrigação de deixar claro a forma com que eles serão utilizados.

Na prática, não é o que acontece.

Mãe da pequena Laura, de 1 ano, a jornalista Thais Machado pesquisou escolas de ensino infantil para a matricular a filha e foi surpreendida com a resistência dos gestores em discutir os termos da cessão de imagem da criança.

“Tenho visto com muita frequência fotos e vídeos de crianças sendo utilizados por escolas para mostrar nas redes sociais o projeto pedagógico e como os alunos estão felizes naquele local. É uma propaganda velada que está dizendo: olha o que o seu filho pode viver aqui”, menciona.

Ao dizer que não autorizava o uso da imagem da filha, Thais afirma que uma escola respondeu que a cláusula é inegociável. Outra, que afastaria a bebê das atividades pedagógicas quando vídeos estivessem sendo registrados. “Uma escola que adoramos nos ligou dizendo que a unidade não era o melhor local para a minha filha. Foi uma forma de responderem que não iriam rever os termos da cláusula de cessão de imagem”, disse.

Ao levar o assunto para as redes sociais, Thais recebeu dezenas de mensagens de pais surpresos, que confessaram desconhecimento sobre as implicações do uso de imagem. “Não se trata apenas da exploração gratuita, mas a finalidade e o tempo indeterminado desse material. Algumas fotos de crianças brincando, sem roupas, podem inclusive atrair o interesse de pedófilos”, acrescenta.

“A falta de informação entre os pais é evidente, mas há previsão legal de judicialização quando empresas se utilizam de cláusulas genéricas, sem especificação de finalidade e tempo de uso, sobre a cessão de imagem”, diz a advogada Claudionora.

Juiz da Vara da Infância e Juventude de Rio Preto, Evandro Pelarin afirma que os pais têm total autonomia para decidirem se autorizam ou não a divulgação de imagens dos filhos menores. “Óbvio que o que permeia a cessão de imagem é o bom senso. Mesmo com o consentimento dos responsáveis, fotos de crianças seminuas ensejam responsabilização”, diz.

Regra e respeito

Nelson Neves, coordenador do Núcleo de Escolas Particulares da Acirp, afirma que escolas estruturadas têm assessoria jurídica e estão plenamente conscientes dos limites e responsabilidades sobre o uso de imagem de crianças. “Os pais podem, inclusive, mudar de ideia e pedir a revogação da cláusula, que deve ser respeitada pela gestão da escola a partir da alteração contratual”, diz.

Em nota, a Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep) reconhece a importância do debate sobre o uso de imagens de crianças e adolescentes em redes sociais por instituições de ensino, especialmente no que diz respeito à proteção dos direitos à privacidade e à imagem, garantidos pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

“A Fenep orienta as escolas filiadas a adotarem práticas éticas e transparentes no uso de imagens de seus alunos, destacando a necessidade de obtenção de consentimento explícito e informado por parte das famílias ou responsáveis legais. Recomendamos que as cláusulas contratuais que tratam desse tema sejam claras e específicas quanto à finalidade do uso das imagens, evitando interpretações genéricas que possam gerar questionamentos”. (JT)

CONSENTIMENTO DOS PAIS

A LGPD dedica uma seção exclusivamente ao tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes

O consentimento para o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes deve ser específico e dado por um dos pais ou responsável, ou seja, é vedado consentimento genérico

O consentimento deve ser livre (sem coerção ou má-fé); informado (de forma clara e transparente com elementos destinados a total compreensão) e inequívoco (informações precisas)

Não se admite o consentimento genérico, por isso o controlador (aquele que deseja explorar a imagem) deve ser transparente quanto à finalidade do uso da imagem, prazos, e seus contornos

O responsável precisa, através de uma ação afirmativa, demonstrar a sua concessão, não podendo o consentimento ser tácito.

PERIGOS exposição excessiva

  • Uso indevido das imagens por possíveis predadores sexuais ou redes de pedofilia
  • Risco de sequestro e aplicação de golpes
  • Interferência na capacidade de livre e pleno desenvolvimento da identidade e personalidade da criança
  • Ocasionar bullying ou mal-estar no círculo social da criança
  • Antes de postar alguma foto, vale se perguntar:
  • Essa foto respeita a privacidade da criança?
  • Estou revelando informações pessoais (nome completo, localização, escola, rotina)?
  • Como essa imagem pode ser usada no futuro?
  • Tenho o consentimento da criança (se ela já puder opinar)?

Fonte: OAB-RN e SaferNet