Rio Preto recebe pré-estreia de ‘O Burocrata’, de Jef Teles

Rio Preto recebe pré-estreia de ‘O Burocrata’, de Jef Teles
Projeto de Jef Telles parte de discussões sobre trabalho, vigilância e ilusão de liberdade no mundo digital (Divulgação)

No meio da cidade, entre buzinas e árvores, um domo se ergue como portal para outro mundo. Ali, não há cadeiras nem telão, mas óculos de realidade virtual e um fone que envolve o público por completo. É nesse espaço suspenso, entre o real e o simulado, que estreia neste sábado, 27, às 19h, no canteiro central da Avenida José Munia, na altura do número 7.085, no bairro Jardim Vivendas, o curta-metragem “O Burocrata”, nova produção do coletivo Núcleo 2.

As sessões, todas gratuitas, continuam até 4 de outubro em diferentes pontos de Rio Preto, como a Praça Setpar, neste domingo, 28, às 16h, Plaza Shopping, na quinta-feira, 2 de outubro, às 19h, Praça São Benedito, na Santa Cruz, sexta, dia 3 de outubro, às 19h e Praça da Matriz de Talhado, no sábado, 4, às 17h. Em cada local, a exibição ocorre no formato de videoinstalação imersiva, com quatro óculos de realidade virtual funcionando simultaneamente durante duas horas, além de instalação sonora binaural interativa e QR Codes que expandem a narrativa.

Com roteiro, direção e atuação de Jef Telles, “O Burocrata” conta a história de Daniel, funcionário de uma grande corporação encarregado de controlar pessoas. Sua rotina mecânica é abalada ao perceber que vive sob um sistema que troca tempo por pequenos salários, roubando sua vida em parcelas. Com ajuda do professor Diógenes (Diógenes Sgarbi), Daniel descobre sua condição de alienado, mas o sistema logo corrige a falha: outro funcionário, criado por inteligência artificial, assume seu perfil, isolando-o por 68 horas em um domo junto à natureza.

A trama funciona como uma espécie de prólogo de “O Carteiro” (2023), produção anterior de Telles também em realidade virtual. “Eu fui sozinho para um glamping na cidade de Ibiúna e passei quatro dias nesse lugar, finalizando o roteiro e captando imagens que, na época, não sabia exatamente se ia virar um curta de suspense, um vídeo-arte com algo mais lúdico ou um vídeo-poema (acho que no final das contas ‘O Carteiro’ é um pouco de tudo isso)”, conta o diretor.

Se em “O Carteiro” o protagonista já havia abandonado o mundo corporativo em busca do prazer e da liberdade, em “O Burocrata” o espectador descobre como aquele homem chegou até ali. Agora nomeado Daniel, ele vive dentro do simulacro chamado “Hedonista”, onde divide funções com a assistente virtual Carolina, uma inteligência artificial.

A construção do roteiro partiu de discussões com o cientista social Diógenes Sgarbi sobre Karl Marx (1818-1883) e sua crítica à alienação no capitalismo. Em seguida, debates com cineastas como Bruno Lottelli, Alexandre Estevanato, Gaia do Brasil e Vinícius Dall’Aqua ajudaram a refinar as linguagens possíveis no ambiente virtual. “As ideias que norteiam o filme são a da alienação, da vigilância e a ilusão de liberdade na era das realidades simuladas. A jornada do personagem Daniel, um burocrata que opera vidas dentro do simulacro ‘Hedonista’ não é apenas a história de um homem tentando romper um sistema, mas também um comentário direto sobre o aprisionamento voluntário em ambientes virtuais e a passividade com que aceitamos algoritmos decidindo destinos”, afirma Telles.

O processo levou a equipe a abandonar filmagens tradicionais em locações de Rio Preto para criar cenários digitais em fundo verde, conduzidos por Guilherme Di Curzio. No meio do caminho, Telles também produziu o curta infantil “A Cabeça do Menino Invisível”, que serviu de laboratório para a experiência. O resultado reúne mais de 20 colaboradores e aposta em múltiplas camadas imersivas — da imagem em 360 graus ao som envolvente, passando por audiodescrição e interpretação em Libras.

“O Burocrata” nasce como crítica ao tempo sequestrado pela produtividade e como fábula de um futuro que já começa a se infiltrar no presente. O espectador, dentro do simulacro, sai com a pergunta que inquieta Daniel: até que ponto somos autores de nossa própria vida ou meros usuários obedientes de um algoritmo?