Escola cívico-militar veta namoro e dá ponto por 'vibração' durante o hino

Escola cívico-militar veta namoro e dá ponto por 'vibração' durante o hino
(Lézio Júnior)

“O espelho reflete você, você reflete a escola cívico-militar!”. Esse é o lema do Regimento Interno do Programa Escolas Cívico-militares do estado de São Paulo, cujas regras disciplinares atravessam os muros da unidade de ensino e interferem até mesmo no padrão estético dos alunos. Para os meninos, nada de riscos na sobrancelha, topetes ou moicanos. Para meninas, cabelos presos e em tons naturais. Em ambos os casos, vestimentas fora das cores azul marinho, preto ou branco não são permitidas.

Na região de Rio Preto, 10 escolas foram selecionadas pelo governo do Estado para implantar o modelo de educação cívico-militar a partir do segundo semestre, incluindo a Octacílio Alves de Almeida, no bairro Residencial Rio Preto 1.

“Enquanto colégios particulares estão ensinando robótica e inteligência artificial, estamos voltando no passado e obrigando alunos a bater continência”, critica um professor de uma escola que aderiu a proposta.

Recompensas

A “versão experimental” do regimento, elaborada pelo secretário de Educação Renato Feder, com consultoria do ex-diretor do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militar do MEC, Gilson Passos de Oliveira, define um “sistema de recompensas” baseado na conduta dos alunos.

“Ao ingressar na Ecim (Escola Cívico-Militar), o estudante recebe 5,0 créditos de comportamento que podem variar durante o ano letivo. O Monitor Militar é responsável pela atualização contínua da menção dos créditos dos estudantes, devendo acompanhar a sua evolução comportamental bem como suas atitudes”, consta no documento.

Segundo a Secretaria de Educação, a variação dos créditos ocorrerá de acordo com os fatos observados. Se o estudante tiver comportamentos considerados positivos, poderá ganhar pontos que variam de 0,25 a 2,0. Já se comete atos de indisciplina, pode perder créditos a depender do nível da infração: Leve (-0,25), Média (-0,50), Grave (-1,0) ou Gravíssima (-2,0).

Regras

Entre as regras previstas e que extravasam os limites territoriais da escola estão a proibição de “manifestação de namoro ou similar no interior da escola e nas proximidades” e envolver-se em brigas, tumultos, algazarras e brincadeiras agressivas quando uniformizado, fazendo uso do transporte escolar ou coletivo.

Outra medida polêmica é “ter em seu poder, introduzir, ler ou distribuir, dentro da unidade escolar, cartazes, jornais ou publicações que atentem contra a moral” (sem detalhes dos critérios que definem o conteúdo como desmoralizante).

O texto inclui a proibição de calças com rasgos (destroyed), piercings e alargadores e premia alunos com uniforme “impecavelmente bem-passado” ou que destacaram-se dos demais pela “vibração no canto do Hino Nacional ou outro hino previsto para o dia”

Sem reflexão

Professor universitário, mestre em Psicologia e doutor em Ciências da Saúde, o psicanalista Gláucio Camargos afirma que o modelo cívico-militar vai na contramão da gestão democrática da educação, defendida por grandes teóricos como Paulo Freire, Jean Piaget e Lev Vygotsky.

“O sistema cívico-militar estabelece um adestramento, um suborno em troca de recompensas. Quando o recomendado, do ponto de vista da psicologia do desenvolvimento, é que o aluno tenha condições de refletir sobre as regras e segui-las porque entendeu que são boas para o crescimento dele. É como usar o cinto de segurança por medo de levar multa, ao invés de considerar que o dispositivo preserva vidas”, diz.

'Esgotados'

A reportagem do Diário ouviu um professor da escola estadual Octacílio Alves de Almeida, em Rio Preto, cuja comunidade aprovou em plebiscito a implantação do modelo cívico-militar. Para ele, a medida representa a esperança de um ambiente mais saudável para alunos e professores.

“A escola está inserida em uma área vulnerável. Grande parte dos alunos tem histórico de abandono afetivo ou vivem em contexto de violência doméstica, o que se reflete em atos de indisciplina. Os professores estão esgotados”, diz.

Questionado sobre a dificuldade que os alunos poderão ter com normas rígidas, ele afirma que, por se tratar de crianças, a decisão de transferência caberá aos pais, se entenderem que as medidas são excessivas. “O que não acho que vai acontecer. Os pais também estão com dificuldade de disciplinar os filhos”, analisa.

A Secretaria estadual de Educação não respondeu aos questionamentos da reportagem.