Projeto do Coronel abre brecha para o nepotismo em Rio Preto

Projeto de emenda à Lei Orgânica do Município protocolado na Câmara pelo prefeito de Rio Preto, Coronel Fábio Candido (PL), flexibiliza a regra hoje em vigor, que é categoricamente contrária à nomeação para cargos em comissão de parentes de agentes políticos.
A proposta que, embora aponte vedação à prática de nepotismo e até a amplia em alguns aspectos, na prática exclui restrições claras na lei em vigor com relação à nomeação parentes do prefeito, do vice, de secretários e de vereadores para os postos comissionados.
Pelo menos três especialistas consultados pela reportagem, incluindo um promotor de Justiça, apontam margem para flexibilização da lei. Outro especialista afirma que nepotismo é vedado por norma do Supremo Tribunal Federal e que eventuais nomeações precisam ser avaliadas caso a caso. A Prefeitura diz que o projeto segue norma do STF e moderniza a legislação atual, mas não respondeu perguntas específicas encaminhadas pela reportagem, nem autorizou uma entrevista direta com o Procurador-geral do município.
Na pauta
O projeto, que recebeu parecer favorável da Comissão de Justiça e Redação da Câmara, entrou na pauta da sessão da próxima terça-feira, 28, para primeira votação, quanto à legalidade.
A lei em vigor veta expressamente nomeações e contratações na administração pública direta ou indireta de Rio Preto, de cônjuge ou companheiro, de parentes naturais ou civis nas linhas reta e colateral, até o terceiro grau, do prefeito municipal, do vice-prefeito, dos secretários municipais, dos vereadores, bem como dos diretores, gerentes ou ocupantes de cargos equivalentes na Administração Pública Municipal.
Pela proposta apresentada pelo chefe do Executivo, as expressões prefeito, vice, secretários e vereadores foram suprimidas.
O projeto estabelece que ficará vedada a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em quaisquer dos Poderes do Município.
O projeto, assim como a lei em vigor, também proíbe nomeações de quem estiver inelegível nos termos das leis federais.
Alteração
Segundo especialistas consultados pelo Diário, o projeto abre brecha para nomeações atualmente vetadas. Pelo projeto, há avaliação de que parentes de um vereador ou secretário, por exemplo, podem ser nomeados para cargo em comissão. A medida seria possível desde que não fosse parente da "autoridade nomeante". Ou seja, ligado parentalmente ao secretário ou ao vereador com o poder de fazer a nomeação. Exemplo: o parente de um secretário pode ser nomeado na pasta de outro titular.
Flexibiliza
Segundo a análise do professor da Unesp, campus de Araraquara, Álvaro Martim Guedes, doutor em direito constitucional, o projeto permite, sim, nomeações que são vedadas pela lei que está em vigor em Rio Preto.
"O projeto dá brecha, sim, para nomeações que a legislação atual não permite. É uma fragilização da atual legislação", afirmou Guedes.
O promotor de Rio Preto Sérgio Clementino também disse que a proposta flexibiliza a lei atual. Ele firma, ainda, que eventual análise de futura lei poderá recair em possível inconstitucionalidade.
"O projeto flexibiliza a lei em vigor com relação à nomeação de parentes no poder público. Se aprovado, será avaliado se essa flexibilização contraria ou não a súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal sobre o tema", disse Clementino.
O defensor público Julio Tanone avalia que a proposta "parece objetivar uma proteção ainda mais robusta contra o nepotismo". No entanto, o texto do projeto deixa dúvidas. "Ele foca na relação direta entre a autoridade nomeante e nomeado. Mas a interpretação do termo 'autoridade nomeante' é crucial. Penso que, sem uma definição clara, as restrições atuais poderão acabar enfraquecidas, já que, em algum momento, pode haver margem para nomeações de parentes em órgãos diferentes daqueles em que a autoridade tem poder de nomeação direta", declara.
Para Tanone, é recomendável "a inserção de ajuste singelo ao texto para especificar com mais clareza quem são as autoridades nomeantes, o que, a um só tempo, afastaria ambiguidades e preservaria o espírito de proibição ao nepotismo".
Caso a caso
Para o advogado e procurador legislativo João Paulo Lefundes, da Comissão de Direito Administrativo OAB/Rio Preto, as regras para coibir nepotismo estão estabelecidas na súmula do STF. Para ele, o projeto não flexibiliza a lei atual, mas depende de análise caso a caso.
"Considerando que a Súmula Vinculante nº 13 não esgota todos os casos de nepotismo, o que afrontar os princípios constitucionais poderá ser verificado caso a caso. A alteração da lei municipal não tornará mais flexível e permissionária a tal prática, cabendo aos órgãos de fiscalização (Ministério Público, Tribunal de Contas e Câmara Municipal) e à sociedade civil cobrarem da administração pública a aplicação dos princípios da moralidade e impessoalidade estampados no art. 37 da Carta Magna", afirmou.
Prefeitura
Por dois dias, a reportagem solicitou à assessoria de Comunicação Prefeitura uma entrevista com o procurador-geral do município, Frederico Duarte, para que dúvidas no texto fossem esclarecidas.
Segundo a assessoria, não seria possível entrevista diante de compromissos do procurador. Em nota, a Prefeitura afirma que a vedação "à prática de nepotismo continua sendo uma diretriz fundamental, conforme previsto pela Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal (STF)" e que a proposta visa adequar a legislação municipal às normativas constitucionais e às orientações dos tribunais superiores, promovendo maior segurança jurídica".